Tuesday 13 February 2018

Não Senhora!




Em criança, certas senhoras
Criam agradar-me e diziam:
“Sim senhora, estás quase uma senhora!”
E eu, queda e algo arreliada,
Pensava cá com os meus botões
Que tinha de estar de atalaia,
Pois não queria ficar como elas!...


Tinha de as cumprimentar,
Já se vê!
Sabiam todas a creme...
Uma delas, de voz penetrante,
Mal eu lhe chegava a cara,
Descarada, beliscava-me
As bochechas com firmeza!


Andavam de mise 
Tufada e laca
Maquilhadas,
Aperaltadas e cheirosas,
Muito parecidas,
De óculos de sol
Tipo mosca,
Tapando-lhes o olhar!
No Inverno, bem abafadas, tolhidas.
De saltos altos,
Caminhar importante,
Empertigadas na roupa justa,
Pregadinhas,
Não podiam despentear-se, nem sujar-se!


Com tais poses e indumentárias,
Não eram para se
Sentar no chão,
Correr, pular
Andar de baloiço,
Triciclo, bicicleta,
Andar ao vento e chuva,
Dar mergulhos no mar,
Fazer castelos na areia,
Bolos de lama!

Não eram pessoas
Para brincadeiras e
Nem sequer queriam
Que saltasse nas poças de água!


Se ao menos gostassem
De bonecos,
De fazer desenhos, pintar,
Inventar histórias!...
Mas não...
É que nem pasmar podiam!

Eram indiferentes a tais ninharias.
Não se entretinham com miudezas,
Não reparavam na a poeira a dançar
Ao sol que entra pela janela,
Nos cortinados levantando-se
Na sala, com a corrente de ar,
A ouvir a chuva cair....


Em Lisboa, viam as montras da Baixa
Admiravam tecidos, fazendas, vestidos.
Cuidavam conversar, entre amigas!
De cozinha, dos filhos
Diziam “Esta criança não come nada!”
“Ai, que frio! Não achas?”
“Ai sim? Que maçada!...
Ai, não? Ah, pois!
Repetiam elas todos os dias
Desinteressantes,
Sem graça, sem filosofias.


E eu na minha inocência,
Quase cria que as senhoras, coitadas,
Tinham nascido ou ficado
Assim, já muito cedo,
Vestidas e arranjadas e tudo
Enfadonhas,
Não por querer, claro,
Mas sei lá porque artes
Ou triste engano do passado!


Algumas, moderadamente interessadas,
Inquiriam "Já andas na escola?
Tens boas notas?
Gostas do colégio?"
Eu sorria, anuía mas pensava “Não!”
Outras diziam
“Então? já sabes o que queres ser,
Quando fores grande?”
“Eu!” pensava...
“Que pergunta!” Cismava e continuava
“Eu!... Acaso não chega??...
Não está bem, ser quem sou?
Terei eu de fingir ou de me desfazer
Noutra que não sou?...
Numa senhora destas, talvez?”
Nã... eu cá... não, senhora!

Monday 12 February 2018

Dormir após de Acordar






Livro caído na almofada, entre revistas,
Enrolada em mantas, 
Dormir tardio, depois de acordar,
É do melhor que me podem dar!
Sono lento, morno sopor, sono ciente, 
Cinzento, zonzo, um gozo!
Brando dormir, passando pelas brasas, 
Dormitar, só devagar.
Hora sem rumo, sem prumo!
Tudo assenta, pousa, repousa...
Olhos pesados, densa mente, muda, 
Fosca, néscia, dormente, demorada,
Seu céu, é o breu  lá de fora!
Entre Sábado e Domingo, descuido o ontem,
E, entregue ao agora, 
Adio o dia que pode esperar!

Wednesday 7 February 2018

Nespereiras


Tenho muitas nespereiras no meu passado.



Sob suas copas andava de triciclo, pisando as folhas grandes e quebradiças que cobriam os caminhos no pátio detrás de casa da minha avó.

Mal destrancava e transpunha o portão tosco e rangente do pátio, fechava a porta ao trânsito e bulício da praça.

Ali dentro, queda, na rampa calcetada, podia ouvir quem passava lá fora na travessa, sem que soubessem que eu ali parava...

Era um pátio secretamente subtraído ao olhares vigilantes dos adultos, imunes às pequenezas que eu tanto estimava e a certas crianças caprichosas que me apareciam na praia; a sacristã que ali morava, sorria com bonomia e nunca ralhava.

O sino rústico e solarengo da igreja ali ao lado, marcava pacientemente o passo daquelas horas estivais e silenciosas.

Ali sentada, à sombra da folhagem escura contra o céu azul, descalçava as sandálias à socapa e esfregava os pés no degrau fresco da porta de entrada, fitando distraída, os coelhos e as galinhas a pitar na capoeira. Lugar abrigado, entre muros altos, uma oficina esquecida detrás de vidraças, ao lado, a arrecadação de cavacas. Conhecia de cor a temperatura, os odores e acústica de cada recanto daquela catedral de nespereiras que eu revisitava incessantemente. De pirolito numa mão, a outra, manobrando o guiador do triciclo de madeira encarnado, pedalava distraída, cismando pelas tardes mornas afora, do verão já avançado.


A outra nespereira era mais solitária, sem cerimónias! 

Com a sua folhagem vaidosa, roçava a varanda do meu quarto, onde dispersava prodigamente os seus frutos de Junho. Estudava, ou escrevia pela noite dentro, de janela aberta para os céus largos e estrelados, azuis escuros, como o Tejo nocturno; do outro lado do vale, Constância repousava alva, ao relento.

De quando em quando, avançando descalça pela tijoleira morna da varanda, empoleirava-me no escadote ao lado da árvore e colhia as nêsperas mais à mão. Algo ásperas, como seu nome, mas aromáticas; sorvia o néctar daqueles frutos dourados e a polpa escorria-me entre os dedos e pelo punho abaixo, desfazendo-se, ali, em verão puro.