Correr é uma
canseira,
Não tem pés nem cabeça.
Corro por tudo,
Corro para nada!
Correr é
prosaico, chão, corrente.
Corro porque sim,
Sem quê, nem para
quê,
Sem interesse e
sem meta!
Correr não leva a
lado nenhum...
Correr sem razão
de ser,
Lembra-me a
filosofia!
Quem corre por
gosto, descansa,
Seus tormentos
espanta!
Pousa o olhar na
paisagem, solta os pensamentos...
Mas correr por
gosto também cansa
E assim se
abranda a marcha!...
Quem corre, arfa,
Para, inspira,
respira!...
A correr, acerto
o passo
E contas, comigo!
Olho para trás,
detenho-me,
Erro, corrijo o
curso, descaminho-me.
Quem corre,
segue, não persegue!...
Vou sem mapa, sem
curso,
É que a corrida, é o caminho!
É uma correria pela
vida afora,
Repetida e sem
fim,
Fita no perpétuo horizonte
Que mudamente se
altera.
Quem corre, não
degenera!...
Quem corre, perde
tempo...
Quem corre, nem
tem tempo,
Nem sequer sabe
do tempo!
Quem corre, discorre,
Esquece-se de si!...
Quem corre é dono
de si,
E senão, é apenas dono do espaço
E do cão, ladino,
a seu lado!
O meu tempo é outro:
É o mau tempo, é o
bom tempo,
Frio, ou ardente,
O das estações da
vida,
Da madrugada ao
ocaso,
Das chuvas,
geadas, neves,
As poças, hoje
cristalinas,
amanhã turvas, depois
geladas!...
O meu tempo é o da paisagem,
Desnuda, nos
rigores do inverno,
Que se muda e se veste,
De opulência e
fartura
Com os calores do
ano!
É o sol excelso,
aberto,
Cintilando na basta
coroa das árvores.
Ando nas nuvens,
vivo na lua!...
A floresta, é o
tecto dos meus pensamentos,
Corro com pés bem
assentes na terra,
E o ritmo dos
meus passos
Dita a cadência
da minha escrita,
No trilho que me
guia.
A minha música
vem dos pássaros,
Da água na fonte,
do regato e do vento,
Vem da sinfonia de papoilas,
Centáureas e margaridas
Acenando entre as
espigas douradas das searas!
É a harmonia do
balir das ovelhas,
E mugir das vacas
nos pastios,
Do reguingar das
cabras entre os arbustos,
Dos motores,
algures no bosque, dos lenhadores.
Quero correr, não
quero crescer!
Baloiçar-me, nos
toros do caminho,
Atirar pinhas ao
céu,
Para o cão
apanhar!
Detemo-nos a
mirar
As lebres silentes
Na erva tenra dos
atalhos,
Os esquilos nos
abetos,
Olhando os cervos
elegantes,
Galgando as
moitas à desfilada!
Receio, porém, os
javalis
Que felizmente,
Até ver, nunca vi!...
Escuto os pica-paus,
Estremeço, com o
súbito esvoaçar
Em surdina, das
aves de rapina,
Com as gralhas e
corvos
Importunos que agitam as silvas!
Subo a correr,
Desço a
passear...
Quem corre, tem
vagar,
Vai de cabeça no
ar,
Sabe das
fragrâncias dos lugares,
Dá com os morangos
silvestres
Ocultos entre
folhas rasteiras e tenras,
Na orla dos
caminhos.
Quem corre, vai
vagabundo
De mãos a abanar,
Desfruta da
abastança
Dos frutos
maduros,
Das amoras gordas
e framboesas coradas.
Quero correr,
repousar,
Demora-me a
cismar,
A escrever, a
desenhar,
À beber, à sombra viçosa
Das cerejeiras carregadas,
Colher pêssegos
E uvas bravas,
Que crescem pelos
muros de xisto
De vinhas
abandonadas...
Depois maçãs,
peras
Nozes, castanhas
e quem sabe,
cogumelos!...
E como tudo o que
passa,
Eu apenas perduro,
subsisto,
Correr nem é
comigo...
Porque afinal quem
corre,
Não sou eu... é o
tempo!